quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Uma estranha história

(colaboração de R.)

Eu já não aguentava mais aquela atmosfera do hospital. Para quem vivia alopradamente como eu, o hospital parecia uma prisão. E aquela monotonia toda, aquela rotina que cansava, aquelas enfermeiras (tão solícitas...) Tudo uma m....

E ninguém por perto para se conversar. Naquele salão havia umas quarenta camas, mas - que diabo! -o indivíduo mais próximo estava exatamente a umas oito camas. E era surdo.

E eu não podia gritar, porque não era permitido pelo regulamento.
Foi aí que trouxeram um cara. Todo quebrado, dava pena até. Pelos cochichos dos médicos e enfermeiras, fiquei sabendo que havia quebrado as costelas, fraturado os braços e lá vai pedrada.
Mas falar ele podia. Era o que interessava, pelo menos a mim. E, por isso, assim que os médicos, depois das tradicionais mil e uma recomendações, se retiraram, tentei puxar um papo com o prezado:

- Pô, mas que estrago, hem, velho?

Recebi um olhar atravessado como resposta. Não me dei por achado e continuei aquela agradável conversa:

- Que que te aconteceu? Te atropelaram?
- Desastre.

Foi uma resposta seca. Fiz menção de continuar as perguntas, mas ele virou a cara para o outro lado. Gesto convincente. Não insisti. Resignei-me a continuar meu sofrimento ali naquelas paredes brancas, camas brancas, móveis brancos e utensílios brancos.

Uma semana depois dei baixa. Ufa! Se houve um sujeito que saiu correndo daquele hospital, fui eu. Esquecia-me de dizer que não consegui arrancar mais uma sílaba da boca daquele cara.
Deixei-o lá com suas quebradeiras. Mas me despedi, é claro. Gozado, pensando bem, parecia que ele queria me dizer alguma coisa.

Saí do hospital. A liberdade, enfim! De novo o contato com aquele gostoso ar poluído de Belô!

Transcorreram três meses. Minha vida já voltara à normalidade. Um sábado à noite, entretanto, estava eu no Bar Palladium, quando percebi um vulto a me olhar insistentemente. Não fiz maior caso do fato. Continuei a tomar a minha cerveja, enquanto conversava com a turma.
Dia seguinte, voltei lá. Estava sozinho desta vez. Novamente meu sexto sentido funcionou.

Alguma coisa me dizia que estava sendo vigiado. Despistei, olhei furtivamente para os lados.

Lá estava o cara de ontem me olhando. Aquilo me intrigou. Fiz menção de levantar e ir ao encontro do cara, mas ele se antecipou, atravessando a rua e vindo em minha direção.
Aguardei.

Foi chegando e sentando e pedindo uma cerveja e começando a falar:

- Olha, era você que estava lá no hospital, não era? Eu sou aquele sujeito que chegou todo arrebentado, lembra? Eu já o estou seguindo há uns cinco dias. Queria me certificar de que era mesmo você. Puxa vida, eu preciso falar com você urgentemente. Você tem algum programa prá hoje? Não? Ótimo, então eu posso falar, não é mesmo?
(-Bem, que remédio! O negócio era ouvir o chato do cara falar!)

- Olha, o negócio é o seguinte. Eu sou do interior, sabe? Vim prá cá algumas semanas antes de ir pro hospital. Uns dois dias depois que eu cheguei, eu estava calmamente rodando por aí. Era um sábado ou domingo, sei lá... sábado! era um sábado.

De repente, eu a vi. Uma coisa de doido. Simplesmente fabulosa, rapaz. Um pedaço de mulher!

Foi olhar e gamar. Fiquei doidão. Comecei a seguí-la. Ela tomou um táxi e eu atrás.

Morava em Santa Teresa. Segui-a até lá, batemos um papo. Que papo!

(Silêncio. Ele olhava o infinito, perdido em suas lembranças. Um pigarro trouxe-o de volta à realidade).

Marcamos encontro para a quinta-feira seguinte. Era feriado, teríamos o dia inteiro para nós. Saí dalí pisando nas nuvens. Só depois de ter andado uns três quarteirões é que me lembrei que tinha esquecido o carro lá. Tive que voltar e apanhá-lo. Como
ela me gozou!...
Voltei para casa. Comecei a esperar a bendita quinta-feira. E nada do tempo passar.

Seeeggggggguuuuuuuunnnnnnnnndddddddddaaaaaaaaa,

Teeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeerrrrrrrrrrrrrççççççççaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa,

Qqqqqqqquuuuuuuuuuuuaaaaaaaaaaaaaaarrrrrrrrrrrrrrttttttttttttttttttttttaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!! A quarta não acabava, seu! Que custo!
(Novo silêncio. Novo alienamento. Novo pigarro. Nova volta à terra. Novo gole. E a história recomeçou.)
Na quinta, finalmente chegada, reencontramo-nos. Menino, quando ela desceu as escadas da sua casa... Parecia uma deusa, uma ninfa, sei lá... Simplesmente não era um ser humano que descia aquelas escadas. Ela não existia, não podia existir. Estava com um vestido vermelho, desses que é aberto na frente, tendo apenas duas faixas que cobrem os seios... sem sutiã...

Depois que eu saí do alumbramento inicial, passeamos a tarde toda e fomos jantar. Depois, a uma boate. Dançamos, bebemos umas e outras. Lá pelas duas da madrugada, resolvemos voltar para casa.

Parecia que ela estava meio alta, sabe? Dentro do carro, assim que havíamos chegado, ela ficou me olhando, como se esperasse algo.

Aproximou-se e me beijou. Abraçados ficamos algum tempo. Foi aí que percebi que seu vestido estava desabotoado. Ela sorriu. Desvencilhou-se da roupa.

E nós nos amamos. Como nunca no mundo alguém já amou.

Ficamos ainda uma meia hora. Deitados no estreito banco do carro. Em silêncio.

Finalmente ela levantou-se e começou a se vestir. Foi aí que tudo aconteceu.

Sabe o que ela me disse? Que havia gostado muito de mim e que, se não estivesse tão mal de vida não me cobraria... Ela era uma prostituta, você entende? Uma prostituta!

Velho, quando ela me disse isso, com a cara mais santa do mundo, foi como se um elefante pisasse na minha cabeça. O mundo começou a girar. E as palavras dela me martelavam o ouvido. Fiquei fora de mim. Dei-lhe um soco. Outro mais, dezenas, centenas de socos. Joguei-a fora do carro. Ela caiu ao chão, chorando como um cão ferido. Não parei nisso. Pisei-a, continuei a esmurrá-la, enquanto gritava a plenos pulmões, para ninguém ouvir, que ela era uma puta.
Finalmente parei. Olhei para ela: toda ensanguentada e rasgada, mal dava conta de balbuciar alguma coisa. Arrastava-se pelo chão, ganindo, esta é a verdade... Num gesto de raiva incontida, puxei da carteira. Todo o dinheiro que estava lá joguei-lhe em cima. Ela ainda tentou segurar minha mão. Afastei-me com um safanão. Entrei no carro e arranquei. A raiva não me deixava ver direito. De repente ficou tudo escuro.

Fui acordar no hospital. Me disseram que eu entrei num armazém logo em frente. O resto você já sabe.

Calou-se. Por um momento, deixou-se ficar, assim, calado, ensimesmado. Olhou para mim como se esperasse uma palavra de consolo. E, tal como chegara, foi-se. Sem uma palavra de despedida, nada. Foi-se.

Segui-o com os olhos até que ele sumiu, escondido pela multidão.

Chamei o garçom e pedi mais uma cerveja.

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